- não ta reconhecendo a voz? É o Silvio.
-a sim, mas não está muito cedo para essa ligação?
-já são dez e meia, Claudio.
-pode ser. Pode falar.
- rapaz, você está com meu livro? Aquele que eu te emprestei?
-não peguei nada com você.
-tem certeza?
-absoluta.
-e fora isso? Como andam as coisas? Terminou seu livro? Aquele romance?
-continuo morando no apartamento para os fundos do edifício inferno bloco a.
-sei. Sei. Mas em relação ao seu trabalho?
-o livro ainda não saiu, na verdade ainda não terminei. Mas estou escrevendo uns contos para uma revista pornográfica, está sendo uma experiência interessante. São contos pobres de literatura, não há espaço para divagações, personagens complexos, ou algo do tipo. Você tem que bolar uma cena com uma boa dose de sexo, sem muita firula , sem rodeios. Os leitores tem uma faixa de quinze anos de idade. Então não é tão difícil excitá-los. Mas, agora, uma pergunta oportuna. Tem oito meses que não te vejo. Não entendi o motivo de sua ligação. Então acho que deva ter um assunto mais urgente para tratarmos.
-Sabe o que é, Claudio, Preciso de uma ajuda sua. Com toda essa experiência de vida, você certamente pode me dar uma saída para uns problemas nos quais me envolvi.
-hum.. pode falar.
-é o seguinte. Lembra da Paula né.
-como poderia esquecer-me de sua ex namorada?
-pois é. Aqui é que mora o problema. Ela não é bem minha ex namorada. Há algumas semanas nós temos nos encontado. E você, mais do que ninguém, conhece a Paula. Eu sei que você a conhece a fundo. Toda aquela exuberância. Aquele olhar, seu cabelo, sua crueldade, sua sensualidade infernal. Saímos umas três vezes nesse meio tempo. E aquela mesma estória se repetiu. Eu e ela, quando nos encontramos, temos lá nossas afinidades. A Paula, essa neurótica, acho que foi a única mulher capaz de me acompanhar decentemente em uma bebedeira. Nem mesmo você, Cláudio, pôde me completar tão perfeitamente no quesito esvaziar garrafas. E há ainda um fator agravante, um pensamento que está me tirando o sono. Uma catástrofe, uma miséria existencial pouco a pouco me assola; a idéia de que toda a minha vida tem sido dedicada ao pensamento sobre essa mulher. Mesmo quando estávamos separados,nada me tirava da mente o sexo dessa mulher, sua intensidade, sua loucura, seus maços de cigarros odiáveis por toda a casa. Sou tentado a admitir que estou começando a amar essa mulher..
- Silvio, eu não acredito no que acabo de ouvir. Você sabe que horas eu fui dormir? O que deu em você, seu puto? Por acaso me acha com cara de psicólogo? Está se sentindo sozinho? Por que não liga para sua mãe? Ela te ama mais do que eu, pode acreditar.. agora , no que diz respeito ao seu amor e o dela, Essas suas histórias poderiam me render uns contos ou até mesmo um livro. Você é um porra louca indefinido. Meio intelectual, meio músico, boa vida, contrabandista, viciado e pé no chão. Não te entendo nem quero entender. Mas a Paula é uma mulher fenomenal, extremamente bela, perigosa, não serviu para mim. Confesso-te que essas mulheres belas em demasia, com personalidade envolvente, me causam medo, me sinto inseguro. Não sei. Nunca vi a Paula taciturna ou vacilante. Sempre transbordante. Sempre com um sorriso no rosto ou prestes conquistar alguém. Aquela tarada. Mas enfim, não estou muito bem para conversas, espero que me compreenda e que me ligue outra hora.
-Calma ai cara, não é assim. Não te liguei apenas para conversar, espero sua ajuda. Desesperadamente. Vou resumir. Sábado. Ressaca. Acordo quatro horas da tarde em meu apartamento fétido e deslumbrante. Olho para o lado e resolvo colocar alguma coisa no estômago. Olho meu celular. Quatro ligações perdidas da Paula. Esse telefonema me deixa confuso, meu estômago é sensitivo, diante de situações como essas, sinto náuseas, nesse sábado cheguei a vomitar. Ligo para ela. Sua voz estava doce como chocolate derretido. Ela falava baixo e escorregadiamente. Não me contive. Saímos. Fomos a um motel, duas garrafas de vodka e um pacote razoável de cocaína. Tudo rolou muito bem até eu encher a cara dela de porrada.
-Silvio, eu conheço vocês dois, nada do que foi dito me surpreende. Dois anos de convivência me ensinaram alguma coisa a respeito do que vocês são capazes.
-Claudinho, meu caro, parece que não me compreende. Dessa vez foi diferente. A coisa pegou fogo, saiu de nosso controle. Começou com uma dose de violência durante o sexo. Nos desentendemos quando começamos a conversar. Você sabe como é, o ciúme é um veneno suave. Às vezes parece que se camufla e se esconde , mas ele pode causar as piores sensações possíveis ao ser humano. Ela começou com uma estorinha de que me amava e coisa e tal, mas que estava envolvida com um determinado camarada assim e assado. Não agüentei, a conversa começava a fluir, mas não pude conter minha ira. Meu ímpeto. Eu sou um guerreiro. Sou um homem do mar. Minha linhagem pertence aos piratas. E Blá. Blá. Blá.
-seja breve, não tenho tempo.
-Resultado. Ela está internada. Eu olhei aquele rosto lindo dizendo que estava gozando como louca com esse tal camarada. E ela ainda fazia, com a língua, todos os movimentos salientes, todas as entrâncias de seus movimentos dissimulados. Olhei aqueles olhos verdes e os esmurrei até que o sangue brotasse ainda vivo, vermelho, quase brilhante. Agora a polícia está atrás de mim, ela desenvolveu um quadro de traumatismo craniano. Não sei a gravidade de seu estado, mas temo pela vida dela e pela minha.
-você se meteu em um grande problema. Aquela filha da puta. Olha só o que ela te obrigou a fazer. Estou preocupado. Agora não mais se trata de uma brincadeira. A policia está envolvida. Ela pode morrer. Todos os planos de suas vidas estão seriamente arruinados, pelo menos por enquanto, até que ela caia na real e te perdoe ou ela morra mesmo. Mantenha a calma, meu amigo, a situação requer frieza. Sou seu amigo, há muitos anos, mas não podemos deixar de considerar o lado perverso dessa história. O lado maldito. A parte autoritária. Mesquinha. A parte louca, a coisa que aconteceu de forma errada. Esse fato não pode deixar de ser considerado em nossa reflexão. A humanidade, de uma forma geral, sofreu com esse sábado fatídico nesse motel de quinta categoria. As crianças quando choram, choram por medo premeditado de coisas como estas. Deus, caso existisse, estaria em sua poltrona celestial jogando dominó. Haha. Desculpe-me, não contive o riso. Você precisa se esconder, eu te darei abrigo, vamos para minha pequena casa no interior,vamos ficar lá por uns dias, até que essa estória esfrie. Ou ela te perdoe e retire a queixa. Vamos logo. Pode deixar que eu levo a bebida e os discos.
-a sim, mas não está muito cedo para essa ligação?
-já são dez e meia, Claudio.
-pode ser. Pode falar.
- rapaz, você está com meu livro? Aquele que eu te emprestei?
-não peguei nada com você.
-tem certeza?
-absoluta.
-e fora isso? Como andam as coisas? Terminou seu livro? Aquele romance?
-continuo morando no apartamento para os fundos do edifício inferno bloco a.
-sei. Sei. Mas em relação ao seu trabalho?
-o livro ainda não saiu, na verdade ainda não terminei. Mas estou escrevendo uns contos para uma revista pornográfica, está sendo uma experiência interessante. São contos pobres de literatura, não há espaço para divagações, personagens complexos, ou algo do tipo. Você tem que bolar uma cena com uma boa dose de sexo, sem muita firula , sem rodeios. Os leitores tem uma faixa de quinze anos de idade. Então não é tão difícil excitá-los. Mas, agora, uma pergunta oportuna. Tem oito meses que não te vejo. Não entendi o motivo de sua ligação. Então acho que deva ter um assunto mais urgente para tratarmos.
-Sabe o que é, Claudio, Preciso de uma ajuda sua. Com toda essa experiência de vida, você certamente pode me dar uma saída para uns problemas nos quais me envolvi.
-hum.. pode falar.
-é o seguinte. Lembra da Paula né.
-como poderia esquecer-me de sua ex namorada?
-pois é. Aqui é que mora o problema. Ela não é bem minha ex namorada. Há algumas semanas nós temos nos encontado. E você, mais do que ninguém, conhece a Paula. Eu sei que você a conhece a fundo. Toda aquela exuberância. Aquele olhar, seu cabelo, sua crueldade, sua sensualidade infernal. Saímos umas três vezes nesse meio tempo. E aquela mesma estória se repetiu. Eu e ela, quando nos encontramos, temos lá nossas afinidades. A Paula, essa neurótica, acho que foi a única mulher capaz de me acompanhar decentemente em uma bebedeira. Nem mesmo você, Cláudio, pôde me completar tão perfeitamente no quesito esvaziar garrafas. E há ainda um fator agravante, um pensamento que está me tirando o sono. Uma catástrofe, uma miséria existencial pouco a pouco me assola; a idéia de que toda a minha vida tem sido dedicada ao pensamento sobre essa mulher. Mesmo quando estávamos separados,nada me tirava da mente o sexo dessa mulher, sua intensidade, sua loucura, seus maços de cigarros odiáveis por toda a casa. Sou tentado a admitir que estou começando a amar essa mulher..
- Silvio, eu não acredito no que acabo de ouvir. Você sabe que horas eu fui dormir? O que deu em você, seu puto? Por acaso me acha com cara de psicólogo? Está se sentindo sozinho? Por que não liga para sua mãe? Ela te ama mais do que eu, pode acreditar.. agora , no que diz respeito ao seu amor e o dela, Essas suas histórias poderiam me render uns contos ou até mesmo um livro. Você é um porra louca indefinido. Meio intelectual, meio músico, boa vida, contrabandista, viciado e pé no chão. Não te entendo nem quero entender. Mas a Paula é uma mulher fenomenal, extremamente bela, perigosa, não serviu para mim. Confesso-te que essas mulheres belas em demasia, com personalidade envolvente, me causam medo, me sinto inseguro. Não sei. Nunca vi a Paula taciturna ou vacilante. Sempre transbordante. Sempre com um sorriso no rosto ou prestes conquistar alguém. Aquela tarada. Mas enfim, não estou muito bem para conversas, espero que me compreenda e que me ligue outra hora.
-Calma ai cara, não é assim. Não te liguei apenas para conversar, espero sua ajuda. Desesperadamente. Vou resumir. Sábado. Ressaca. Acordo quatro horas da tarde em meu apartamento fétido e deslumbrante. Olho para o lado e resolvo colocar alguma coisa no estômago. Olho meu celular. Quatro ligações perdidas da Paula. Esse telefonema me deixa confuso, meu estômago é sensitivo, diante de situações como essas, sinto náuseas, nesse sábado cheguei a vomitar. Ligo para ela. Sua voz estava doce como chocolate derretido. Ela falava baixo e escorregadiamente. Não me contive. Saímos. Fomos a um motel, duas garrafas de vodka e um pacote razoável de cocaína. Tudo rolou muito bem até eu encher a cara dela de porrada.
-Silvio, eu conheço vocês dois, nada do que foi dito me surpreende. Dois anos de convivência me ensinaram alguma coisa a respeito do que vocês são capazes.
-Claudinho, meu caro, parece que não me compreende. Dessa vez foi diferente. A coisa pegou fogo, saiu de nosso controle. Começou com uma dose de violência durante o sexo. Nos desentendemos quando começamos a conversar. Você sabe como é, o ciúme é um veneno suave. Às vezes parece que se camufla e se esconde , mas ele pode causar as piores sensações possíveis ao ser humano. Ela começou com uma estorinha de que me amava e coisa e tal, mas que estava envolvida com um determinado camarada assim e assado. Não agüentei, a conversa começava a fluir, mas não pude conter minha ira. Meu ímpeto. Eu sou um guerreiro. Sou um homem do mar. Minha linhagem pertence aos piratas. E Blá. Blá. Blá.
-seja breve, não tenho tempo.
-Resultado. Ela está internada. Eu olhei aquele rosto lindo dizendo que estava gozando como louca com esse tal camarada. E ela ainda fazia, com a língua, todos os movimentos salientes, todas as entrâncias de seus movimentos dissimulados. Olhei aqueles olhos verdes e os esmurrei até que o sangue brotasse ainda vivo, vermelho, quase brilhante. Agora a polícia está atrás de mim, ela desenvolveu um quadro de traumatismo craniano. Não sei a gravidade de seu estado, mas temo pela vida dela e pela minha.
-você se meteu em um grande problema. Aquela filha da puta. Olha só o que ela te obrigou a fazer. Estou preocupado. Agora não mais se trata de uma brincadeira. A policia está envolvida. Ela pode morrer. Todos os planos de suas vidas estão seriamente arruinados, pelo menos por enquanto, até que ela caia na real e te perdoe ou ela morra mesmo. Mantenha a calma, meu amigo, a situação requer frieza. Sou seu amigo, há muitos anos, mas não podemos deixar de considerar o lado perverso dessa história. O lado maldito. A parte autoritária. Mesquinha. A parte louca, a coisa que aconteceu de forma errada. Esse fato não pode deixar de ser considerado em nossa reflexão. A humanidade, de uma forma geral, sofreu com esse sábado fatídico nesse motel de quinta categoria. As crianças quando choram, choram por medo premeditado de coisas como estas. Deus, caso existisse, estaria em sua poltrona celestial jogando dominó. Haha. Desculpe-me, não contive o riso. Você precisa se esconder, eu te darei abrigo, vamos para minha pequena casa no interior,vamos ficar lá por uns dias, até que essa estória esfrie. Ou ela te perdoe e retire a queixa. Vamos logo. Pode deixar que eu levo a bebida e os discos.
6 comentários:
Caríssimo, Daniel! És um exímio cronista da atualidade, parabens! já sou seu seguidor. abs
Achei a história sensacional!
O desenrolar do diálogo, os pormenores que enriquecem a história, o desfecho, do caralho!
Sujo de cigarro, como sempre. Coisa de madrugada com final maravilhosamente bêbado. Sono vira gentileza por pura sacanagem. Bom saber que não se deve acreditar em gente.
Obs: você me arruma o telefone dessazinha...?
Oi Daniel, obrigada pela visita e pelo elogio.
Como de costume retribui a visita e li alguns textos,
gostei de fato deste que comento.
Você escreve bem, li o conto como se estivesse lendo Fonseca, que é um cara que gosto.
Enfim.
Muito bom, camará!
"A humanidade, de uma forma geral, sofreu com esse sábado fatídico nesse motel de quinta categoria. As crianças quando choram, choram por medo premeditado de coisas como estas."
Caramba, partezinha antológica.
Li tudo, trincando os dentes.
Mulherzinha, rs.
Acho sua prosa boa demais!
bjos!
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